Skip to content Skip to footer

Neste último final de semana, no Brasil, os candidatos inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio tiveram que escrever, na prova de redação, sobre o tema “Desafios para o Enfrentamento da Invisibilidade do Trabalho de Cuidado Realizado pela Mulher no Brasil”. Esta iniciativa pode representar um divisor de águas: eram quase 4 milhões de pessoas, em sua maioria de jovens adultos, a refletir sobre os desafios das mulheres diante de um contexto sócio-cultural que lhes atribui a maior parcela de responsabilidade no cuidado da casa, dos filhos, dos pais idosos e até dos cônjuges – o que alimenta a desigualdade de oportunidades de trabalho e renda, e dificulta a ascensão feminina a posições de liderança.

O tema da redação do ENEM foi, provavelmente, inspirado na recente premiação de Claudia Goldin (professora da Universidade de Harvard) com o prêmio Nobel da Economia em 2023. A pesquisa que deu origem ao prêmio demonstra, através dos dados históricos, que a participação feminina no mercado de trabalho, ao longo do tempo, evoluiu como uma curva em forma de U. Ou seja: antes da Revolução Industrial, quando a matriz econômica era essencialmente agrícola, as mulheres participavam mais ativamente da força de trabalho. O fenômeno da industrialização tornou mais difícil conciliar trabalho e família, e com isso, grande parte das mulheres (especialmente as casadas) saiu do mercado de trabalho. Posteriormente, a curva foi invertida, em decorrência do progresso tecnológico, do avanço da educação, do surgimento da pílula anticoncepcional e do crescimento do setor de serviços. Mas os fatores culturais e legais (entre outros) ainda criam barreiras significativas para a carreira profissional das mulheres.

Num momento em que tanto se fala em equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, Claudia Goldin nos lembra que, para muitas mulheres, até muito recentemente, as duas coisas eram inconciliáveis. Ter filhos, para muitas, implicava em renunciar à carreira. A divisão das tarefas domésticas e do cuidado com os filhos não era sequer um tema a se discutir. Isso vem mudando nas sociedades com maior grau de educação e abertura cultural, mas em muitas comunidades, principalmente as mais pobres e menos instruídas, a sobrecarga da mulher ainda é a realidade predominante.

Apesar de ter havido avanços na questão da equidade de gênero nas organizações, ainda há um longo caminho a trilhar. Em um artigo sobre Marca Pessoal publicado na Harvard Business Review, Dorie Clark ressalta que pesquisas têm demonstrado repetidamente que as mulheres estão sujeitas a um fenômeno conhecido como o “enigma da simpatia”: espera-se que sejam, por norma, sempre agradáveis, calorosas e carinhosas. E quando tomam decisões difíceis, emitem opiniões de forma assertiva ou buscam promover-se, são muitas vezes criticadas e penalizadas por esse comportamento, de uma forma que os homens não seriam.

E as dificuldades não param por aí. Além do comportamento, a aparência das mulheres também suscita julgamentos e reações que os homens não experienciam, de microagressões a assédios, sutis ou explícitos.

As mulheres não são uma minoria na sociedade, e também já não o são nas empresas, de modo geral. Ainda assim, a equidade de gênero está na pauta de Diversidade e Inclusão das organizações. “Somos uma maioria minorizada”, como diz Claudia Colaferro, CEO da AngelUs Network, uma organização que tem como propósito aumentar a representatividade de mulheres na liderança de empresas, à qual me conectei recentemente para apoiar outras mulheres na jornada.

Se, por um lado, a participação de mulheres em posições de liderança ainda é baixa, por outro lado, vemos emergir o paradigma da Liderança Servidora como o estilo de gestão que melhor responde aos desafios do atual contexto (volátil, complexo, frágil…). Ela empodera as pessoas, alavancando a sinergia do trabalho em equipe, o que aumenta a agilidade e potencializa a aprendizagem e os resultados. A Liderança Servidora baseia-se em valores como a empatia e a humildade, características essencialmente femininas, em contraponto aos estilos de liderança mais autoritários predominantes até então, baseados em valores como a performance e a competição.

Sinto os ventos da mudança a soprar, e espero que não demore a chegar o momento em que atingiremos a equidade de gênero em posições de liderança, nos beneficiando da complementariedade e sinergia que isso pode trazer, com mais equilíbrio e bem-estar para todos, nas dimensões individual e coletiva. Não apenas nas organizações, mas principalmente nas sociedades. Tenho a convicção de que o aumento da participação das mulheres nas lideranças mundiais irá favorecer o diálogo e contribuir para a paz.