Na minha experiência empreendedora e executiva, entre erros e acertos, eu aprendi que a cultura da organização é um dos fatores que mais influenciam o seu desempenho – para o bem e para o mal. A forma como as pessoas se tratam, como as decisões são tomadas, os comportamentos que são recompensados e punidos; enfim, as dinâmicas próprias de cada organização podem estimular ou inibir o engagement, o comprometimento, a colaboração, a criatividade, a inovação etc. E, por consequência, os resultados do negócio.
A cultura se revela a partir de diversos elementos. Alguns são mais visíveis, como a identidade visual, a linguagem (mais ou menos formal), o dress code, as normas de conduta etc. Outros são mais sutis, porém ainda mais importantes: o relacionamento entre as pessoas, o estilo de gestão, e principalmente, o comportamento dos líderes – que no caso das PMEs, são muitas vezes os próprios empreendedores.
O comportamento do empreendedor – assim como o de qualquer pessoa – é fortemente influenciado pelos seus valores, que refletem aquilo que para ele é mais importante. Se ele valoriza a ética, por exemplo, suas decisões de negócio serão pautadas pelo cumprimento dos acordos e contratos firmados. Se ele valoriza os ganhos de curto prazo, dificilmente investirá em negócios e projetos que precisem de muito tempo para gerar retorno. Suas escolhas e decisões irão certamente criar referências sobre o que se espera do comportamento dos colaboradores, tal como pais e mães servem de exemplo para o comportamento dos filhos. E, como sabemos, o exemplo é muito mais forte do que as palavras.
A cultura se desenvolve de forma espontânea, como resultado dos padrões que se estabelecem ao longo do tempo, criando uma identidade coletiva. Essa identidade é forjada pelo empreendedor quando o negócio é criado, mas é continuamente influenciada por todas as pessoas que fazem parte dele. Em muitos casos, o negócio começa pequeno, com o próprio empreendedor dirigindo e até executando boa parte das atividades. Quando o negócio se expande, o empreendedor gradativamente se afasta da operação, abrindo espaço para outros líderes que também contribuem para “desenhar” a cultura, ainda que de forma involuntária.
A cultura que se desenvolve aleatoriamente, muitas vezes, acaba se distanciando daquela representada pelos valores definidos pelo empreendedor. Os padrões de comportamento estabelecidos com o passar do tempo podem revelar valores diferentes, a depender do que venha a ser incentivado ou priorizado nas decisões do dia a dia. Essas divergências entre o que se diz e o que se faz, quase sempre, contribuem para ambientes tóxicos.
Por outro lado, quando a cultura é intencionalmente desenvolvida, através do cultivo constante dos valores desejados, pode se tornar um grande diferencial competitivo. Primeiro, porque a cultura está diretamente relacionada ao bem-estar e felicidade das pessoas no trabalho: pesquisas indicam que as maiores causas de stress, absentismo e turnover são justamente os ambientes de trabalho tóxicos. Segundo, porque a cultura é determinante para gerar o sentimento de pertencimento, e para envolver as pessoas em torno de um propósito comum, alavancando os resultados. Terceiro, porque produtos e serviços são fáceis de copiar; mas a cultura, não!
Desenvolver intencionalmente a cultura, de forma alinhada com a estratégia, já é algo comum nas grandes organizações, mas não nas PMEs. Um novo empreendimento nasce a partir de uma ideia de negócio, de uma demanda identificada, da visão ou do sonho de um empreendedor. A sua implantação, muitas vezes, é feita a partir de um Business Plan, que costuma conter dados do mercado, modelo de negócio, análise de viabilidade, projeção de fluxo de caixa, plano de marketing, cronograma de implantação etc. Alguns já incluem a definição de um propósito e dos valores desejados para a organização, mas a verdade é que a cultura evolui de forma contínua, e aquela identidade inicial pode sofrer muitas transformações.
Desenvolver intencionalmente a cultura requer uma profunda reflexão sobre os valores que se deve cultivar para criar as condições mais favoráveis ao atingimento dos resultados desejados. Uma vez definidos os valores da cultura aspiracional, não adianta apenas divulgá-los: é necessário assegurar que esses valores sejam percebidos no comportamento dos líderes e nos demais elementos que revelam a cultura do negócio: a comunicação, o layout, as normas e políticas, os rituais e a dinâmica da interação entre as pessoas.
No caso das PMEs, o papel do empreendedor é essencial para cultivar os valores desejados. Se estes não estiverem alinhados com os seus valores pessoais, a verdadeira cultura irá se sobrepor à estratégia, comprometendo o atingimento dos objetivos perseguidos (alguém se lembrou da célebre frase atribuída ao Peter Drucker, segundo a qual “culture eats strategy for breakfast”?).
Dito isto, deixo aqui a minha provocação para que os empreendedores (assim como outros líderes) reflitam sobre os seus valores pessoais, avaliem como eles são percebidos pelas pessoas através do seu comportamento, que efeitos produzem na cultura e desempenho da organização. O autoconhecimento do empreendedor / líder e a consciência do impacto que gera no “sistema” em que está inserido pode ser transformador – tanto para a sua evolução pessoal, quanto para os resultados do negócio!
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