A Henley Business School divulgou há poucos dias os resultados de uma pesquisa que deu origem ao relatório The Omniployment Era. Esta nova expressão, construída a partir do prefixo “omni”, que vem do Latim e significa “tudo”, define a nova realidade do mundo do trabalho, caracterizada pela multiplicidade de aspectos que têm emergido e ganhado importância nas relações de emprego.
A partir dessas novas motivações que passaram a determinar a atração e a permanência no emprego, a pesquisa identificou padrões que deram origem a seis perfis de trabalhadores. O relatório sugere a adoção de novos modelos e sistemas de gestão mais flexíveis e adaptáveis às diferentes necessidades e motivações de uma força de trabalho cada vez mais heterogênea.
A pesquisa da Henley confirma que houve uma mudança significativa no equilíbrio de poder entre empregadores e empregados no Reino Unido a partir da pandemia, com quantidades massivas de trabalhadores deixando seus empregos em busca de modelos de trabalho mais flexíveis.
Mas as descobertas também mostram que essa força de trabalho continua em movimento, com 30% dos trabalhadores atualmente em busca de um novo emprego (incluindo 46% daqueles que mudaram de emprego no último ano).
Esses achados seguem a tendência apontada em vários outros estudos, a exemplo do State of the Global Workplace 2023 Report da Gallup, cujos dados (de abrangência global) apontam que 51% das pessoas têm a intenção de mudar de emprego. Embora haja diferenças regionais, com maior peso dos países africanos e alguns asiáticos nesse indicador, as regiões com menores índices são a Eurásia pós-soviética (33%) e a Europa (34%), ainda assim muito significativos!
Na minha visão, estamos vivendo uma verdadeira revolução, dada a rapidez e a intensidade com que essas mudanças estão acontecendo.
Segundo o Cambridge Dictionary, um dos significados da palavra revolução é “uma mudança muito importante na forma como as pessoas fazem as coisas”. De acordo com o dicionário Merriam-Webster, revolução também significa “uma mudança fundamental na maneira de pensar ou visualizar alguma coisa: uma mudança de paradigma“.
No meu artigo O Papa Francisco e a Revolução dos Valores, eu pontuei que, na minha perspectiva, as grandes transformações que estão acontecendo atualmente nas organizações são reflexo das mudanças culturais da sociedade, que se traduzem no que denominei de Revolução dos Valores.
Essas transformações não foram desencadeadas pela pandemia da covid-19, embora tenham sido aceleradas a partir desse evento disruptivo. As transições geracionais, junto com as mudanças na economia e sociedade, são naturais. E na história recente, a evolução tecnológica e a globalização têm contribuído para mudanças mais profundas, ao proporcionar às pessoas das mais diversas origens uma expansão da sua visão de mundo, uma maior abertura para o novo, para o diferente: um novo quadro de referências, muito mais amplo e diverso, que abriu espaço para novas crenças, novos hábitos, novas necessidades e motivações – e novos valores.
Os nossos valores são uma expressão das nossas necessidades e motivações, e orientam fortemente o nosso comportamento, de forma consciente ou inconsciente.
Valorizamos aquilo que é mais importante para nós. E, apesar de alguns dos nossos valores pessoais estarem fortemente arraigados na nossa identidade e nos acompanharem ao longo da vida, outros podem perder e ganhar importância a partir das experiências vividas, e da forma como as assimilamos e processamos.
Numa situação de trauma, por exemplo, é muito comum que as pessoas reavaliem prioridades e valores. No caso da pandemia, sofremos um trauma coletivo: tivemos nossas vidas paralisadas por um evento disruptivo sobre o qual não tínhamos controle, e que fez aflorar o medo da morte, nos levando a refletir sobre as nossas reais necessidades e nossos parâmetros de felicidade e sucesso.
E quais são os novos valores e paradigmas que continuam a impactar de forma tão intensa as relações de trabalho?
Voltando à pesquisa da Henley, 72% dos respondentes indicam a necessidade de conciliar a carreira com outros aspectos da vida pessoal como fator determinante na busca por um novo emprego. Sobre os aspectos que motivam a saída do emprego atual, 68% dos trabalhadores referem os ambientes de trabalho tóxicos, onde há bullying, assédio e microagressões.
A pesquisa da Gallup também descobriu que 59% dos trabalhadores sentem-se desconectados dos seus empregos e adotam uma atitude de “quiet quitting”: limitam-se ao mínimo empenho necessário para a realização do seu trabalho. Outros achados demonstram que o stress e o burnout permanecem em níveis similares aos da época da pandemia.
A Revolução dos Valores colocou o bem-estar e a felicidade na pauta estratégica das organizações.
O relatório Workplace Wellbeing and Firm Performance publicado pela University of Oxford em maio de 2023 traz os resultados de uma pesquisa que comprova que o bem-estar dos empregados é um forte determinante dos resultados financeiros das organizações, em diversos indicadores, tais como a lucratividade e preço de ações.
Cada vez mais, organizações investem no bem-estar dos seus colaboradores. A saúde mental entrou na agenda dos RH, mas muitas ações nesse sentido ainda são direcionadas para combater os efeitos do stress e burnout, ao invés de atuar nas suas causas.
No relatório Addressing employee burnout: Are you solving the right problem? de 2022, a McKinsey & Company chama a atenção para os crescentes índices de burnout no mundo inteiro, em desconexão com os esforços e investimentos (também crescentes) das organizações no bem-estar e saúde mental. A pesquisa da McKinsey já mostrava o que os estudos mais recentes confirmaram: que os comportamentos tóxicos no ambiente de trabalho são os maiores responsáveis pelos sintomas de burnout (70%) e pela intenção de sair (73%).
O relatório da Gallup já mencionado também deixa claro que a origem das dificuldades na atração e retenção de talentos, assim como a chave para a sua reversão, está mais ligada à forma de tratar as pessoas, que desejam sentir-se respeitadas e cuidadas, até mesmo em relação a fatores como pagamento e benefícios (que são fundamentos, e não diferenciais). Nesse novo contexto, a liderança e a cultura são cruciais.
Investir no combate aos efeitos do stress e burnout, sem atuar nas causas, é como enxugar gelo. Não há como promover o bem-estar e a felicidade organizacional, de forma consistente, sem uma liderança humanizada e uma cultura organizacional positiva.
As organizações já sabiam que o comportamento da liderança define a cultura da organização, e que a cultura estabelece uma dinâmica que pode favorecer ou criar barreiras ao bem-estar e felicidade das pessoas. O que possivelmente ficou mais claro, desde a pandemia, é que a cultura organizacional pode representar um enorme diferencial competitivo, já que o bem-estar e a felicidade dos colaboradores afetam diretamente os resultados do negócio.
A Revolução dos Valores fez emergir novas necessidades e motivações que passaram a determinar o comportamento das pessoas no trabalho, trazendo impactos significativos. Ela desnudou as culturas organizacionais, trazendo à tona temas sensíveis e sutis, como a falta de segurança psicológica, o bullying e as microagressões.
Mais do que nunca, investir no desenvolvimento de liderança e cultura é fundamental. Para além das competências técnicas, há que se investir no cultivo de valores compatíveis com os anseios dessa nova e diversificada força de trabalho. E que esses novos valores de liderança estejam traduzidos não apenas na comunicação, mas também nas políticas e processos organizacionais e, principalmente, nas decisões tomadas e no comportamento dos líderes.